INTRODUÇÃO:
Um dos motivos que nos levaram a escrever sobre esse tema foi o
fato da nossa militância diária na advocacia criminal e a nossa indignação com
a utilização desenfreada do princípio do in
dubio pro societate para fundamentar toda e qualquer pronúncia (decisão que
admite a inicial acusatória e determina o envio de um acusado para ser julgado
perante o tribunal do júri).
Admitir a incidência desenfreada desse princípio, é não levar em
conta outros princípios de matrizes constitucionais, a saber: presunção de
inocência (sempre), ampla defesa (às vezes).
In dubio pro societate, vem do latim e significa: em dúvida, a favor da sociedade, é
um princípio já ultrapassado, de quando os processos contra acusados de crimes
dolosos contra a vida eram mais contidos, onde a polícia trabalhava com mais
cautela e não com a necessidade hodierna de demonstrar produtividade e a
“solução” para a criminalidade desenfreada que assola o nosso dia a dia, e
significa que em caso de dúvida, quando da decisão de pronúncia, deve se
decidir à favor da sociedade, pois, como a decisão de crimes dolosos contra a
vida, cabe ao conselho de sentença, que é formado exclusivamente por cidadãos
comuns, decidir o futuro do acusado, se ele deve ser retirado do seio da
sociedade ou deve ser mantido no seu convívio.
No cenário atual essa decisão de enviar o acusado para
julgamento pelo Tribunal do Júri, com a modernidade e a tendência garantista
que é assegurada, inclusive, pela nossa Constituição Federal de 1988, é
descabida e ousaríamos ainda defender que é inconstitucional, pois fere
princípios pétreos constitucionais.
HISTÓRICO:
Antigamente, em meados dos anos 50, com o recém criado Código de
Processo Penal (Dec. Lei 3.689/41), ao tratar da pronúncia, ícones do Direito,
tais como WALTER P. ACOSTA, e HÉLIO TORNAGHI, manifestaram-se no sentido de que
a pronúncia se caracterizava como uma sentença “que encerra a formação da culpa
e põe fim à jurisdição” (P.ACOSTA, 1957), o que segundo a doutrina mais
moderna, trata-se de um equívoco, pois a pronúncia se reveste de caráter
decisório interlocutório, onde se admite a procedência da acusação, encerrando
a primeira fase, do procedimento do júri que tem essa finalidade, qual seja,
tornar admitida ou não a denúncia ministerial, em palavras miúdas, se a
acusação tem fundamento.
NECESSIDADE
DA APLICAÇÃO SEGUNDO A DOUTRINA ANTIGA:
Para que se possa credibilizar o discutido princípio, vale
frizar que o Direito Penal antigo, que remonta a antes da promulgação do Código
de Processo Penal vigente, em meados de 1940, fundamentava-se muito na
necessidade, influência da Igreja Católica com as Santas Inquisições, de a
população se ver resguardada em sua paz social, de indivíduos que pudessem
perturba-la.
E assim o fizeram, criaram o princípio discutido, para em
visível defesa da paz social, da tranquilidade pública, fazer ver a que acaso
surgisse alguma dúvida acerca da culpabilidade do indivíduo acusado de um crime
de homicídio, dever-se-ia levá-lo a julgamento perante um conselho de sentença
formado por 7 cidadãos do povo, completamente leigos em relação ao direito, que
decidiriam o futuro e a vida do cidadão que ali estava a ser julgado.
Mas questionamos diversos fatores para tal julgamento: Há a
incidência do visual, e passo a explicar, acaso algum dos jurados não fosse com
a cara do cidadão, muito provavelmente iria condená-lo, ademais existe a
performance teatral da acusação e da defesa, pois os relatos históricos são de
julgamentos onde cenas de filmes de Hollywood perderiam longe.
Além de tudo isso ainda soma-se hodiernamente o poder da chamada
“imprensa marrom” que é responsável por “divulgar” determinados delitos que
chocam pela sua forma de cometimento e elegem determinado cidadão, seja ele
culpado ou não, como o autor do delito, condenando-o impreterível e
antecipadamente.
Seria como elencar alguns casos práticas, antigos e nem tão
antigos assim, mas alguém que assista aos telejornais absolveria p.ex.: Suzane
Von Richthofen, Alexandre Nardoni, Ana Carolina Oliveira, Lindemberg Alves e
nos mais antigos o “bandido da luz vermelha”, o maníaco do parque??
DA NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE NO DIREITO MODERNO: (IN DUBIO PRO SOCIETATE
X PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA)
Seguindo a mais moderna doutrina processual
penal, que leva em conta estudos modernos de política criminal, estatísticas de
crimes, dentre outros pontos vitais à modernidade exigida por todos os ramos da
nossa vida, é que se chegou à conclusão de que não se pode aplicar mais um
princípio jurássico como é o in dubio pro
societate, pois em total afronta ao garantismo penal, e ao princípio da
presunção de inocência.
Não se pode admitir que por incompetência dos
órgãos investigadores e por defeito na instrução processual, um cidadão seja
submetido a um julgamento pelo Tribunal do Júri, sob o manto da dúvida, ora,
que dúvida é essa que pode levar para o cárcere um cidadão inocente, que já
entra na sessão do júri 50% condenado, tendo que se defender dos fatos
atribuídos a si, pois se a dúvida persistir ele fatalmente será condenado.
É como colocar numa balança, quais os
princípios que devem ser valorados? O in
dubio pro societate ou o in dubio pro
reu, e é claro que se formos pesar numa balança, devemos nos tendenciar
pelo segundo deles, onde a dúvida privilegia o réu e que a nosso ver deve ser
utilizado em todo o processo penal, ora, porque num processo de competência do
juiz comum, há toda a instrução processual e após seu final (igual à primeira
fase do júri) o magistrado se tiver a menor dúvida deve decidir pro reu e porque não no rito do júri,
com essa atitude evitaríamos várias injustiças cometidas pelos jurados que
condenam sem sequer saber o que é estar preso.
Segundo as palavras do preclaro EUGÊNIO PACELLI
DE OLIVEIRA: “...não vemos como aceitar tal princípio (ou regra) (in dubio pro societate) em uma ordem processual garantista.”
(parênteses grifados nossos).
CONCLUSÃO:
A nosso ver, não há como se manter um princípio
dessa monta vigente tomando por base um direito penal moderno que se reveste de
garantismo e minimalismo, onde um cidadão que submetido a toda uma investigação
judicial após uma prévia investigação policial, e ainda assim restarem dúvidas
acerca de sua culpabilidade, seja enviado a um julgamento ao clássico estilo da
“roleta russa” em que diversos fatores externos à verdade podem influenciar,
não somente aos anos que irá passar recluso, arrancado do seio de sua família,
mas também à pecha de assassino, que essa, tempo algum há de corroer.
Portanto, em nosso sentir, o princípio que deve
nortear qualquer decisão judicial é o do in
dubio pro reu, evitando assim erros judiciais crassos como já tivemos
vários em nossa história recente.
REFERÊNCIAS:
P.ACOSTA,
Walter. O Processo Penal, Rio de Janeiro: 1957.
TORNAGHI,
Hélio Bastos. Curso de Processo Penal, v. 2. São Paulo. Saraiva: 1980.
OLIVEIRA.
Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª ed. Lumen Juris. São
Paulo:2010. p. 696
Nenhum comentário:
Postar um comentário